Kenneth Branagh chegou a Hollywood em 1989, no cavalo de Henry V, que lhe valeu nomeações para os Oscares de Melhor Actor e de Melhor Realizador. A galopar com a sua rainha Emma Thompson no regaço e os alforges cheios de peças de William Shakespeare, Branagh esforçou-se por simular uma segunda aparição de Sir Laurence Olivier. O casal conhecera-se em 1987 durante as filmagens da minissérie Fortunes of War e casava dois anos mais tarde, o ano em que estrelaram Henry V e Look Back in Anger, primeiro encenado e depois realizado por Judie Dench. Nos anos que se seguiram, o duo foi tão imparável quanto inseparável: Dead Again (1991), Peter's Friends (1992) e Much Ado About Nothing (1993). Em 1994, Branagh realizou e estrelou Mary Shelley's Frankenstein, para o qual queria Thompson, que preferiu aceitar o papel principal de Carrington (1995) e ele apaixonou-se por Helena Bonham Carter, que interpretou o papel que ela rejeitou, e assim nasceu o divórcio em 2005.
Depois dos mencionados Henry V e Much Ado About Nothing, Branagh continuou a adaptar ao cinema Shakespeare com Othelo (1995), Hamlet (1996) e Love's Labour's Lost (2000), regressando ao bardo mais de uma década volvida para filmar a sua representação de MacBeth (2013) no Manchester International Festival e rentabilizar a peça The Winter's Tale, ao lado de Judi Dench, dois anos mais tarde.
Entre 2017 e 2024, Kenneth Branagh trocou Shakespeare por Agatha Christie, dirigindo-se a si próprio em três dos famosos romances da rainha do policial britânico liderados pelo rubicundo detective belga Hercule Poirot, para cujo papel se recusou a engordar, optando por colmatar essa falha com o bigode mais estúpido que o departamento de maquilhagem conseguiu engendrar. Mas, por mais inteligente e peculiar que seja Poirot, sendo certo que termina o seu trabalho apontando o dedo ao homicida (por vezes plural) com longas recitações da tapeçaria de pormenores apreendidos ao longo das suas astutas perscrutações e discretos interrogatórios, a verdade é que é uma personagem introspectiva e apenas ligeiramente afectada nas suas teatrais locuções, pelo que Branagh teve de investir numa parafernália de mecanismos narrativos e audiovisuais que não domina e nenhum dos três filmes (Crime no Expresso do Oriente, 2017, Morte no Nilo, 2022 ou Mistério em Veneza, 2023) faz jus ao material literário original.
Mistério em Veneza encontra Poirot reformado do seu trabalho dedutivo e a viver em Veneza com um guarda-costas que mantém a pretendente clientela à distância. Este guarda-costas deixa passar uma velha conhecida de Poirot, a escritora de policiais Ariadne Oliver, que lhe traz um desafio: desmascarar, se possível, uma médium que, segundo ela, a fez acreditar em espíritos e, para tal, deve assistir a uma séance que irá realizar-se na noite de Hallow'een num velho palácio junto ao canal. Poirot empolga-se minimamente quando as coisas dão para o torto, mas a sua racionalidade debate-se com visões e ruídos que lhe custa explicar.
Desconhece-se ainda se este filme, que foi o menos rentável dos três, fechará uma trilogia ou será apenas o terceiro de mais, já que Poirot encontra um novo fôlego na cena que antecede os créditos finais, mas o resto do tempo Branagh apresenta-se abatido e essa falta de energia transfere-se para tudo o resto. Não ajuda que a revelação final não traga a menor gravitas ou surpresa, já que toda a obra de Agatha Christie já foi diversas vezes adaptada e outras tantas usurpada de forma mais ou menos sorrateira. Para diluir esse reconhecimento, o guião de Mistério em Veneza mistura dois livros: Hallow'een Party, publicado em 1969, protagonizado por Hercule Poirot, e Nemesis, publicado em 1971, a última história de Miss Marple, e nenhum deles se passa em Veneza, inclui uma sessão espírita nem um empalamento, mas mesmo assim soa a mais do mesmo. Alguns dos sustos consistiram em efeitos práticos com os quais Branagh quis surpreender os colegas de elenco, mas parece tudo saído de uma vulgar história de fantasmas. Mesmo sendo a segunda mais curta adaptação de um romance de Agatha Christie de sempre, o tempo custa a passar.
A Haunting in Venice 2023
CINEMA & ASSOCIADOS
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