Saturday, March 8, 2025

CRÍTICA: Anora, de Sean Baker

Meio mundo a idolatrar Emília Pérez (2024) e outro meio a desprezá-lo e Anora (2024) escapa por entre os pingos da chuva quando tem uma narrativa extremamente simplória sobre o filho de um oligarca russo que convive com uma dançarina de boite de Nova Iorque e decidem casar depois de uma semana de relacionamento sempre transacionado (em que ele pagou pelo tempo dela), sem a menor profundidade (os estereótipos da prostituta de coração de ouro, do miúdo rico mimado, dos pais ricos que não querem o filho imaturo casado com a dita prostituta, dos lacaios do oligarca que vêm exercer pressão) ou conhecimento (quando a novidade se esgota, o miúdo mimado assemelha-se a uma imitação barata de Borat, não se sabe absolutamente nada sobre os negócios do oligarca ou a forma de vida dos lacaios). Já o anterior filme do realizador e argumentista Sean Baker, Red Rocket (2021), falava do meio pornográfico sem compreender como as plataformas de streaming mudaram completamente as dinâmicas de poder nessa indústria em particular desde o tempo do aluguer da cassete de vídeo.

O enredo de Anora tenta pintar uma história de amor onde só há transacções e ilusão. Talvez Sean Baker tenha assistido a Pretty Woman (1990) e imaginado como seria se o final não fosse feliz, ou fosse, mas não com o milionário (spoiler). Ivan é um jovem milionário russo em Nova Iorque, que só se interessa por videojogos, sexo e festas e Ani é uma dançarina de boite que se prostitui quando a oportunidade se apresenta. Ela é uma oportunista e ele é um idiota. Quando Ivan lhe propõe casarem, não lhe diz que é porque a ama, mas porque assim terá nacionalidade americana e os pais não podem forçá-lo a voltar para a Rússia. Ani regateia os quilates do anel de noivado e fica maravilhada com a sua sorte, ela que já estava convencida pela boa vida do dinheiro fácil. Uma vez casados, continua a não haver intimidade entre ambos para além da física, porque não têm maturidade nem mediram as consequências.

O guião tenta manipular a audiência quando os lacaios do oligarca invadem a casa de Ivan e este, à menção de que os pais estão a caminho, desaparece porta fora, deixando tudo, esposa incluída, para trás. O conselheiro da família insiste com Ani que o casamento tem de ser anulado e ela insiste que o casamento é para durar, porque tem um anel no dedo, e o filme arrasta esta discussão para lá do limite do razoável, assim como a hora anterior esticou o namoro contratado entre Ani e Ivan. É óbvio que ela é orgulhosa e está simplesmente a agarrar-se à miragem do bilhete dourado, mas Mickey Madison vende bem o seu peixe (ganhou o Óscar de Melhor Actriz Principal).

O facto de Ani e Ivan não serem personagens empáticos para além de uma fina superfície de sorrisos e olhares cúmplices ajuda a compreender, quando a invasão ao domicílio toma mais tempo do que o necessário, que estamos perante uma curta metragem que foi estendida à custa de uma introdução tão demorada que a protagonista podia ter morrido de pneumonia de tanto peito à mostra. Depois da excessiva discussão com insultos e agressões sobre a anulação do casamento, Ani e os lacaios vão à procura de Ivan, desconhecendo o seu paradeiro, permitindo aos mais distraídos a conclusão de que todo o filme está à nora, o que rima com o título, Anora.

Nos momentos finais, Sean Baker tenta um golpe de magia para dar mais profundidade à sua protagonista. Tentando ela agradecer com sexo o que admite ser um gesto abnegado mas terminando em soluços, quer dar a entender que Ani só sabe corresponder com sexo, e que aquilo a que assistimos com Ivan não era apenas sexo, mas ela a demonstrar-lhe que estava a sentir-se bem com ele, a retribuir-lhe a positividade que ele parecia transmitir quando se conheceram da única maneira que sabia. É um momento que não fica perdido na plateia mais atenta, e não precisava de ser mais explícito para ser entendido, mas não chega. Continuamos perante um filme que demorou demais a chegar ao fim, uma câmara que se limitou a fazer tempo e uma montagem que perdeu a tesoura. Eventualmente bem intencionado, o resultado é amador e básico. Mas foi o ano de Sean Baker, que ergueu a Palma de Ouro no Festival de Cannes e abraçou quatro Óscares: Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Montagem e Melhor Argumento Original. Não mereceu nenhum, mas este foi também o ano em que o execrável Emília Pérez amealhou 13 nomeações. Como referido, Mikey Madison recebeu o prémio de Melhor Actriz Principal e Yura Borisov (não referido ainda) estava nomeado como Melhor Actor Secundário.

Anora 2024

CINEMA & ASSOCIADOS


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