Conto cautelar mascarado de reencontro de três velhos amigos com um dissabor para desatar, que funciona apenas para fazer tempo até aparecer um quarto e novo elemento que vai mudar drasticamente o ambiente e exigir dos velhos amigos um favor pesado pelo anfitrião, que os convidou para uma noite de bebida e meninas, sendo as meninas um isco falso para atrair um deles a cooperar e uma venda de droga o chamariz para que o novo elemento compareça.
Small Engine Repair é um projeto acarinhado de John Pollono que o escreveu enquanto dramaturgo, encenou e representou em 2011, adaptou para cinema, realizou e protagonizou, com o entretanto muito mais conhecido Jon Bernthal a reprisar o papel que já lhe pertencera na peça de teatro. Junta-se-lhes o sempre irritante, mas sempre competente Sean Whigham para fechar o trio de amigos que se reúne na oficina do primeiro depois de algum tempo de costas voltadas e passam dois terços do filme a tentar reatar relações, antes da verdadeira motivação por trás do convite se revelar quando o quarto personagem aparece em cena, atrás de uma compra barata de droga para impressionar os colegas de faculdade.
Até aqui, o guião é gasto no estabelecimento do trio que professa amor fraternal mas se queixa das pequenas características que os distinguem uns dos outros, numa órbita de amizade perdida e reencontrada em constante desequilíbrio. Com a acção passada num único local, a oficina de reparação de veículos do protagonista, a estratégia foi confiar nos extensos diálogos para dar a conhecer os personagens, através de inúmeras reminiscências, e dar cartas através de anlepses, para estabelecer a relação do protagonista com a filha adolescente que os amigos viram crescer, e com a mãe desta que quer respostas a perguntas que ainda não temos. Infelizmente, para além do paleio, pouco se passa e o compasso de espera não é recompensado no final, quando tudo se precipita para um thriller que precisa do apoio da audiência do lado dos perpetradores, mas entre o aborrecimento sentido, a falta de originalidade notada e a pouca empatia transmitida, a incredulidade da solução final faz mais rolar os olhos do que satisfazer a sensação de vingança ou justiça que se esperava ver realizada.
No fundo, o filme quer-se pedagógico à velha maneira americana, através da ameaça de violência para a obtenção de fins que deviam ter sido atingidos pelo recurso ao sistema judicial. Por um lado, não se pode dizer que o tema tenha envelhecido bem, porque a realidade tem-nos mostrado que a percentagem de sucesso nestes casos é bastante superior e que o caso não é tão perdido como nos dão a entender. Ainda assim, não deixa de ser um alerta às raparigas (a respectivos pais) que enviam fotos sensuais pelo telemóvel a rapazes que não conhecem bem e se esquecem que o que cai na net fica lá para sempre e os recipientes das imagens podem não ser tão simpáticos como elas imaginam e espalharem o que lhes foi enviado em confidência. O subsequente recurso ao suicídio deixa os pais sem outro recurso do que a boa e velha vingança, porque pobre contra rico nunca ganha em tribunal, já o dizia Smith & Wesson, Colt e qualquer outro fabricante de revólveres de seis tiros. Mas, John Pollono não é Charles Bronson e mete completamente os pés pelas mãos, o resultado é tragicómico de tão convoluto, porque não quer que o seu protagonista seja um assassino, mas coloca-o numa situação extrema e retira-o dela através de uma solução ridícula e, convenha-se, injustificadamente homofóbica.
Claro que a peça foi representada em 2011, eventualmente escrita antes disso, a internet fechava a primeira década e as redes sociais davam os primeiros passos, o progresso informático deixa as costuras à mostra nesse abismo civilizacional digital apresentado, as salvaguardas melhoraram, não são só as fotografias que a internet eterniza, mas também os trajectos da informação, quem publica e dissemina fotografias ilegalmente deixa rastos que podem ser seguidos até à fonte e criminalizados. Além disso, há empresas com o objecto comercial de apagar conteúdo pessoal online, seja informação sensível ou imagens privadas. Mas este é um filme de vingança, porque o cinema independente precisa de pôr comida na mesa e, estatisticamente, o género é garantido.
Small Engine Repair 2021
CINEMA & ASSOCIADOS
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