Entre fantasias eróticas e outras em que mata o pai a tiro, Eileen, sente-se derrapar numa espiral descendente na Massachusstts rural de meados do século passado, vinte e quatro anos de idade num emprego insatisfatório na penitenciária local e a morar com um pai verbalmente abusivo cuja alcoolémia trata com mais alcool, até que a nova psicóloga da prisão se torna uma excitante novidade contra o marasmo e depressão. A dita é sofisticada e sensual, convida-a para sair e até a beija na boca no momento da despedida. Isto é o suficiente para Eileen sonhar novamente, mas é Natal e a outra vai de férias sem avisar, ó flecha no coração bissexual, até que a psicóloga a convida para partilharem o clímax, que é como quem diz, a noite de consoada. Aqui, é martelada à força uma chocante surpresa que parece saída de outro guião, mas funciona para Eileen como a válvula de escape e que a autoriza a quebrar o feitiço que a prende àquela vida.
Eileen, o segundo guião da dupla Luke Goebel e Ottessa Moshfegh (Causeway, 2022), é mais focado do que o seu primeiro esforço mútuo, mas deixa-se ainda dispersar demasiado para ser conciso e para que se saiba desde o início para onde avança. Poderá, eventualmente, haver intencionalidade neste objetivo, de criar as expectativas de um romance alternativo na frieza de uma terriola piscatória, estabelecendo as bases para a jovem desiludida que se torna ansiosa conforme se deixa seduzir pela sofisticação da nova profissional, mas o terceiro acto é tão estrangeiro ao resto, e tão trôpego na sua concretização, que as poucas ligações que tem à protagonista – a assunção de que esta poderá também ter sido abusada pelo pai, ou a constatação por parte desta de que o abuso verbal a que se habituou não é tão mau como o abuso físico que acaba de ouvir ser-lhe narrado (e por essa razão o deixa viver), e o disparo semi-acidental que dá na cave à mencionada narradora coaduna-se com os seus sonhos acordados em que dispara sobre si ou sobre o pai – se perdem na incapacidade de construir uma situação credível desde a chegada de Eileen à casa onde se decorre o clímax.
Se aceitarmos a incredulidade do que se passa na cave durante o clímax, fica a imagem de um realizador sólido, competente, de uma história que mantém a curiosidade, mas se desfaz no clímax por falta de preparação e de experiência. Thomasin McKenzie está irrepreensível, Marin Ireland surpreende e Anne Hathaway erra a transição para o clímax, fazendo a cena mais importante do filme sofrer em consequência. Ficam as costuras à mostra do que poderia ter sido se não tivesse havido pressa. Como está, é uma obra insuficiente, atropelada e mal concretizada.
Eileen 2023
CINEMA & ASSOCIADOS
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